segunda-feira, 21 de julho de 2014

Jornaleiro - Tijuca

Domingo. 22h40. Praça Saens Pena. Jornaleiro (aquele no meio da Praça, próximo à entrada do metrô).

O casal entrou no jornaleiro, em busca de algo para a filha/enteada. Não tinha ninguém dentro, nem mesmo o próprio jornaleiro.

Folhearam alguns gibis da Turma da Mônica. Eis que a moça, do casal, avistou uma coleção de cinco gibis, da Turma da Mônica, no estilo de desenho antigo.

- Olha, amor, do antigo! Veja só...

- É...

- Eu sou antigo mesmo!

- Oi?

- A senhora aí falando de antigo, eu sou antigo mesmo. - era o jornaleiro, um senhor com aparência de 60 / 70 anos, que surgiu, do lado de fora da banca.

- Não, senhor, estava falando do gibi.

- Ah, sim, desculpe. É porque a senhora falou "antigo" e achei que tava se referindo a mim. Porque eu sou antigo, mesmo. Mas ainda trabalho.

- Não senhor, tava falando do gibi.

A moça do casal aproximou-se do rapaz (o seu cônjuge). 

- Veja só, se precisar, tem o seu esposo para te defender.

- Mas eu não estava chamando o senhor de antigo, senhor! Estava me referindo ao gibi! Ao gibi!

- Ah sim. A senhora me desculpe. Eu entendi errado. O senhor me desculpe também. Eu tinha entendido outra coisa. Mas, se precisar, tem o marido para defender, não é?

O casal saiu do jornaleiro sem comprar nada. E achando o jornaleiro bastante sem noção-e-educação. As antiguidades costumam ser mais refinadas, não?

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Alla Zíngara

Domingo. Final de Copa do Mundo. Copacabana lotada. De argentinos, alemães e até de brasileiros.

O local é o restaurante Alla Zíngara, esquina de Ministro Viveiros de Castro com Belford Roxo, no início de Copacabana. 

O casal chegou ao restaurante pouco antes do final do jogo (Alemanha x Argentina). Viu uma grande movimentação de clientes, como é comum para a ocasião, e percebeu três grupos indo embora.

Um garçom correu atrás dos grupos, que já estavam na rua. Voltou com os olhos assustados.

- Um deles me mostrou uma arma. Não pagaram, cara! Não pagaram!

O dono chamou os três garçons:

- Vocês serão os responsáveis. Cada um pela sua mesa. Atendam muito, até o final do dia. Quando o cliente não paga, é culpa do seu garçom. A culpa é de vocês. Vão pagar com a gorjeta de vocês. O prejuízo não é da casa, é do garçom. Se virem. Ao trabalho que o salão está cheio!

O casal estava sendo atendido pelo Assis, o melhor da casa:

- Fui roubado hoje. R$ 160. Vou ter que pagar com o meu trabalho.

E, aquele garçom sempre simpático, conversador, sorridente, estava sério, cabisbaixo. Não olhava pros seus clientes. Corria por entre as mesas. Sentia medo dos clientes. Anotava, na comanda, os pedidos, e não tirava o olho das mesas e da saída do restaurante. Não podia levar outro calote. 

Aquela noite, ele ia perder (ele perdera) R$ 160. Por causa de gente desonesta. Ele não é desonesto. É um trabalhador. Como eu, como você, como todo mundo (nem como todo mundo, ok). Como o casal.

A conta do casal deu R$ 40 e poucos. Comeram e beberam pouco...

"R$ 4 de gorjeta destes", ele pensou.

Vi que deu R$ 40 pois vi o rapaz tirando R$ 50 da carteira e recebendo R$ 10 de troco, do garçom. 

Estranho foi que vi a moça do casal, também, tirar dinheiro da bolsa. O garçom Assis não entendeu.

- Vem aqui - fez ela, com as mãos.

Ele chegou perto, mas não o suficiente.

- Mais perto, cara... Este é seu. Além dos 10%. 

E entregou, para o Assis, uma nota de R$ 50, amassada.

O garçom abraçou-a, agradeceu, e continuou o seu trabalho. Não podia tirar o olhar dos outros todos. 

Pude ver, ainda, uma senhora elogiando os argentinos. Outra, elogiando a senhora que elogiava os argentinos. E, outra, que brigava com as que elogiavam os turistas. O clima era estranho. Uma brigava com a outra, que elogiava a outra, que brindava, que fazia cara feia, que batia o pé. E pessoas, silenciosas, entravam e saíam por entre as mesas, sob os olhos atentos do Assis e dos outros garçons da casa.

A Argentina perdeu a Copa. Assis perdeu R$ 160 naquela noite. Foi roubado. Teria que pagar com o seu trabalho, por uma culpa que não era a sua. Estava irritado. Triste. Com raiva. Ele não era assim; estava.

---------------------------

Eu moro perto do restaurante e, hoje, estava voltando para casa, quando encontrei com a moça do casal, pouco antes da esquina do restaurante. Nossos olhares se cruzaram, e ela me cumprimentou, com uma virada de cabeça.

- Oi, tudo bom?

- Tudo. Você mora por aqui, não é?

- Moro. Acho que te vi no dia da final, aqui no Alla Zingara, não é?

- Isso mesmo. Você viu a discussão daquelas senhoras? Que coisa estranha, não?

Nós duas passamos na frente do Alla Zíngara. Parei com ela, e ouvi o diálogo.

Assis sabia que, uma hora ou outra, ela passaria por ali. Aproximou-se da porta do restaurante (que tem uma mureta baixa, mesas do lado de fora), e saiu. Abraçou a sua cliente. Beijou-a na face.

Sorriu para mim, e apertou a minha mão. E, para a sua cliente:

- Querida... não lhe atendi como devia aquela noite. Você viu os roubos?

- Vi sim, Assis.

- De mim, foram R$ 160. Do colega, R$ 140; do outro, R$ 78. Tivemos que pagar com o nosso trabalho. O nosso trabalho! Roubaram a gente!

- Brasileiros?

- Afe... Argentinos. Brasileiros a gente conhece. Foram ladrões. Se juntaram e saíram. Pela porta. Sem pagar. Mas a sua gorjeta me ajudou muito. Muito. Eu não te agradeci como devia. 

E, virando-se para mim:

- Ela me deu R$ 50. Por fora, moça! Pra mim. Pra me ajudar a pagar a dívida. Que nem minha era.

E, virando-se para nós duas:

- Eu falei com o patrão: Copa do Mundo, evento grande desses, tem que ter um segurança nas portas do estabelecimento. Conferir a nota paga. Não pode sair sem pagar não. A gente ficou com o prejuízo. Nós três. Falei pro patrão que não era certo. Não era.

- Não mesmo, Assis.

- Mas você é uma cliente muito, muito querida. Não merece ser tratada como te tratei aquele dia. Eu tava com raiva, sabe? Dos argentinos. Do patrão. De todo mundo. Tava com medo, mesmo. De ser roubado de novo. 

- Eu entendo. Mas não será.

- Agora a Copa acabou. Agora, são poucos turistas por aqui, sobraram poucos. Não enche mais como estava aquele dia. E aqui a gente conhece todo mundo.  Eu vi você vindo, ali do outro lado. Quando você voltar aqui... Quando você vai voltar? Com seu esposo?

- Não sei, vou falar com ele.

- Então. Fale, que você receberá o melhor atendimento. O melhor! O que vocês merecem.

Ainda pude ver Assis abraçando a moça, mais uma vez, a beijando, no rosto. Abraço longo, silencioso, agradecido.